Estrelas da Tarde



    Pág. 16 - ESTRELAS DA TARDE
      Alexandre Campanha e Roberto Prado

devo dizer que boa parte dos meus sucessos na vida eram, em grande medida, devidos a meu porte, em especial quando eu andava, sempre empertigado, pescoço esticado e peito estufado, mas sem, no entanto, deixar transparecer na cadência do andar qualquer que fosse de soberba. Sabia quem eu era e isso me bastava, da mesma maneira que deveria bastar aos que me viam.

Ao sair do café, e dando entrada no pequeno pátio arborizado que antecedia o prédio propriamente dito, comecei, como todos os dias, a ouvir as notas dos vários instrumentos, a serem afinados ou praticados pelos alunos. Algumas notas eram sofríveis, em especial em relação aos instrumentos de sopro, que levam muitos anos para se atingir o estágio de perfeição.

Sorri ouvindo o que pensei ser, ao longe, os desafinados acordes dados com sofreguidão a um cello, mas então, logo que cruzei a porta de entrada, ouvi algumas notas sutis serem entoadas, do que me pareceu ser o mesmo instrumento antes tão castigado.

Como que enfeitiçado, fui atraído até a câmara de onde vinha tão soberba peça, e foi aí que a vi. Linda, os cabelos presos em sutil rabo de cavalo, costas muito bem esticadas, com o violoncelo entre as pernas abertas.

Ela era a coisa mais linda e ao mesmo tempo mais delicada que eu já tinha visto. A pele exibia tons de rosa, e o cabelo de um loiro escuro, quase castanho, parecia completar a divina figura como se fosse uma coroa grega. Nessa primeira vez que a vi, não pude ver os olhos, posto que dedicados às cordas e as partituras, e eram escondidos por grossas lentes.

Esse era o único de seus defeitos físicos, era quase cega e precisava de um óculos que chamávamos quando crianças de ‘fundo de garrafa’, tal era a grossura das lentes. Mas em muito pouco isso retirava dela toda a beleza que lhe pertencia.

Me vi então arrebatado de pura paixão, sem hesitar e até mesmo me esquecendo de ir a minha própria aula, procurei me sentar na primeira cadeira que vi, e a cada estocada que ela dava no instrumento, inclinando levemente o


       
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