Estrelas da Tarde



    Pág. 45 - ESTRELAS DA TARDE
      Alexandre Campanha e Roberto Prado

— Como não? Claro que sou.

— Olha, garoto — o velho falava com muita desenvoltura, não estava enfermo, bom, claro, a velhice por si só é uma enfermidade, e das piores, já que para ela sequer tem-se a cura. — Fui músico minha vida inteira, professor por vinte e dois anos e maestro regente por outros sete. Você não é músico.

Ele estava me confrontando, e eu não sabia o porquê, nem me havia conhecido... Mas a rejeição também era um desses venenos humanos que eu já tinha aprendido a lidar.

— Hum — exclamei, chamando a atenção para o perfume que ele usava, que estava na mesinha ao lado dele. — Eu também uso desse perfume.

— O que está fazendo aqui? — O velho perguntou de forma quase ofensiva, e eu não vi outra alternativa senão me retirar. Minha vontade era de socar a cara daquele velho, mas de qualquer maneira, a morte em breve o visitaria, a fazer o serviço que eu não poderia. Sorri, como excelente cavalheiro que sou, e saí do quarto imediatamente.

Minhas pernas estavam bambas quando saí do quarto. Não por medo! Não por medo, mas sim de raiva, uma raiva profunda, que poucas vezes havia sentido em minha vida. Queria encontrar Débora e sair de lá o mais rápido que podíamos. E se ela não quisesse ir embora, bom, teria de escolher, era eu, ou a sua família. A guerra que eu previra estava para rebentar muito antes do que eu havia cogitado. Mas nós nos amávamos, havíamos nascido um para o outro, nosso amor era cósmico e nosso destino, irremediável.

Comecei a andar pela casa, desviando tanto quanto fosse possível dos olhares de curiosidade e escrutínio que todos me lançavam, como se eu não devesse estar ali. Nem me conheciam. “Ora”, pensei, “as disputas pela herança já devem estar tão avançadas que a mera chegada de um novo player já causa alvoroço”. Precisava encontrar Débora.


       
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